sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Será que é só comigo?

Toca meu despertador com algum mantra previamente escolhido. Acordo. Tiro a máscara e o tapa-ouvidos. Abro os olhos e não sei onde estou – afinal, desde 2005 dormi em mais camas diferentes que muita garota de programa. Levo algum tempo pra me achar. Jogo as pernas pro lado e me sento. Olho ao redor completamente sonzo. Saio da cama. Abro as cortinas para ver o dia, se for dia. Arrumo os lençóis, o travesseiro e o edredon. Cato meus óculos e o livro que estou lendo. Pego uma camiseta branca e uma boxer pra vestir depois do banho. Meus pés me arrastam pro banheiro. Passo reto pelo espelho pra não me achar mais velho do que estou. Penduro o short em algum gancho, levanto o assento da privada - o assento todo, não só a tampa - sento e começo a ler. Perco totalmente a noção da hora – isso desde pequeno. Sempre gostei de ler no banheiro e me esquecia do mundo. Minha mãe e meus primos sempre diziam que eu tinha o cú alfabetizado. Ponho os óculos e o livro de lado. Tiro a camisa com a qual dormi. Entro no box depois de achar a temperatura certa. Tomo banho com calma e medito no chuveiro... Alguns cantam, eu medito. Shampoo e sabonete. Cabeça, ombro, joelho e pé, joelho e pé, joelho e pé. Agarro a toalha e me enxugo sempre da mesma forma e no mesmo sentido. Saio seco – trauma de infância, de tanto levar esporro por molhar o banheiro todo. Finalmente me olho no espelho. É, não to mal !! Enrolo a toalha na cintura - porque faço isso não sei, moro sozinho, poderia simplesmente pendurá-la, tenho tentado, mas... hábitos são hábitos. Pego o creme de barbear e acabo usando-o como desodorante e aí me toco que to com o suvaco cheio de espuma. Passo a toalha. Pego o creme novamente e dessa vez o uso da maneira correta. Tento tirar a barba mas ainda estou meio sonzo de sono. A lâmina tá nova e arranco um naco do nariz. Logo depois outro desse meu impossível queixo redondo. Colo um pedaço de papel higiênico e pára de sangrar. Já estou acordado, mas semi mutilado. Desodorante. Visto a camiseta branca e a boxer. Ajeito o cabelo. Penduro a toalha. Pego o short e a camisa e saio do banheiro. Os coloco debaixo do travesseiro. Ligo o som ou o Bom Dia Brasil. Vou à cozinha, preparo e coloco na chapa o sanduíche de queijo minas, faço o Nescau e separo a granola, as frutas e o yogurte. Volto pro quarto. Perfume. Jeans. Meias. Sapato. Camisa Social. Perfume. O sanduíche tá pronto. Paro na cozinha e como assistindo a TV. Coloco a louça na pia com água. Escovo os dentes. Junto a carteira, o celular, as chaves e a mochila. Desligo a TV. Saio. Elevador. Bom dia. Fui.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Em busca da imortalidade.

Andando por aí, me deparo frequentemente com a morte.

Ela está presente todo o tempo, mesmo que tentemos nos alienar e não pensar ou sentir sua onipresença a vemos quando folheamos o jornal, uma revista, na TV ou simplesmente conversando com amigos e, independentemente de se tratar da passagem de um intelectual ou uma pessoa “comum”, me pego imaginando a quantidade de conhecimento que se perde quando alguém se vai. Conhecimento somente não. Impressões, emoções e tudo o mais que acumulamos, aprendemos e absorvemos durante a vida.

Recentemente lendo Minha Formação de Joaquim Nabuco, o grande político abolicionista que viveu, analisou e escreveu não somente sobre a sociedade brasileira do fim do século XIX, como também a sociedade e o sistema político monarquista inglês em comparação com o sistema presidencialista americano e sentir que suas idéias e pensamentos chegaram a mim, me fez compreender que existe sim uma maneira simples e clara de mantermos ao menos parte de nosso conhecimento vivo após nossa partida.

Essa impressão começou a amadurecer quando, no início do ano, caiu em minhas mãos meio que por acaso durante uma faxina que fazia na casa de minha mãe o livro Va dove ti porta il cuore* de uma escritora italiana chamada Susanna Tamaro. Nesse livro, a personagem, uma senhora que ao sentir que o momento da morte se aproximava, decide não comunicar sobre seu estado à neta órfã que criou e que estava estudando em outro país para que ela não se sentisse na obrigação de suspender os estudos e acompanhá-la em seus últimos dias e passa a relatar os fatos que sentiu e viveu, impressões que teve, interpretações particulares sobre fatos da vida e do dia a dia e que nunca antes havia contado à ninguém.

O ideal seria que pudéssemos fazer um back up de tudo que foi armazenado em nosso cérebro durante nossa existência para que nada fosse perdido.

Tomemos por exemplo pessoas como Einstein ou Gandhi ou Aristóteles ou Confúcio ou Jorge Amado ou Tom Jobim que apesar de terem partilhado muito de todo o conhecimento adquirido e desenvolvido durante suas vidas, com certeza muito se perdeu com o fim de suas existências. O conhecimento, assim como o amor, creio, são as únicas duas coisas que quanto mais partilhamos mais cresce, por isso, nem um nem outro pode morrer conosco.

Assim, como ainda não existe essa “máquina” onde possamos armazenar todas as nossas sensações, impressões, amores, dores e conhecimento, já desenvolvemos há centenas de anos um paliativo que nos auxilia nessa eterna busca para salvar os “dados” de nosso cérebro e não deixar que se perca tudo o que vimos, sentimos e vivemos: a escrita.

Creio assim que a possibilidade de partilhar a maneira como vejo o mundo é uma das razões mais fortes que me levam a escrever. Quando me for, meu corpo terá ido, mas minhas idéias, percepções, sensações, desejos, frustrações, prazeres e sofrimentos estarão, ao menos em parte, resguardados da morte.


*vá onde teu coração te levar