domingo, 31 de maio de 2009

Forrest Gump

Arapongas, Paraná, novembro de 2008


É, vim parar no interior do Paraná. Morei em Curitiba por dois anos mas acabei não conhecendo o interior, e agora surgiu essa oportunidade que foi o convite do SEBRAE para que eu palestrasse na Semana do Empreendedorismo.
A cidade é pequena, claro, mas muito gostosa, principalmente porque estamos na primavera, e a vista que tive no trajeto do aeroporto de Londrina até aqui e a que tenho do meu quarto no hotel, que é o edifício mais alto da cidade e que me possibilita uma visão de quilômetros para todos os lados, me mostram um mar verde quase totalmente plano. São quilômetros e quilômetros de plantações como eu só havia visto no norte dos Estados Unidos e que me surpreendeu. A cidade em si é plana, com um movimento calmo de pessoas e veículos, mas que tem uma influência marcante na região pela quantidade de indústrias moveleiras, e por isso o SEBRAE aproveita para divulgar seus cursos e convidar palestrantes que possam falar de empreendedorismo. E aqui vim contar minha história.

É delicioso ter a possibilidade de compartilhar com as pessoas experiências que tive durante esse dois anos pelo mundo, acrescida claro das experiências da vida acadêmica e corporativa desses últimos anos, mas o mais interessante é poder estar ali contando minha história. Acho que todos nós temos uma história pra contar, alguns de nós mais de uma... e todas são interessantes, todas tem algo a acrescentar em nossas vidas e sempre aprendemos muito com elas, independente do quão grandes ou pequenas elas foram, do quanto pareceram importantes no momento em que aconteceram ou só passado algum tempo nos demos conta do valor dessa ou daquela experiência, mas é preciso que sejam contadas para não se perderem no tempo, e se encerrarem como história ou como experiência não compartilhada no momento em que nos formos.

As minhas histórias não são melhores ou piores que qualquer outra, mas eu as conto. Minhas opiniões não são as mais acertadas ou as mais erradas, são apenas minhas e eu as exponho. Gosto tanto da sensação de compartilhar falando quanto gosto da sensação de compartilhar escrevendo. Falo e vejo pela reação das pessoas o efeito que aquelas palavras estão exercendo ali. Mostro vídeos e fotos e as pessoas entram ainda mais no clima da viagem. Leio pequenos extratos do meu primeiro livro e o público mergulha de vez na minha narrativa e no momento que conto também aprendo, pois vejo todos os fatos com os olhos daquele momento e servindo ao público me sirvo dele e de suas reações para enfatizar e reinterpretar um fato ou outro. E quando escrevo tenho o prazer de dedilhar e analisar cada palavra que coloco no texto e poder sentir o efeito que o conjunto delas me causa e que espero poder causar em quem decidir ler meus textos.

Não sou escritor, mas escrevo. Não tenho a facilidade de lidar com as palavras e com o texto como alguns amigos meus, jornalistas, tem, mas busco colocar o que sinto em cada uma delas, em cada texto, em cada apresentação. Não sou sociólogo ou psicólogo ou mesmo filósofo, mas tento analisar as coisas mais simples e óbvias do cotidiano, que muitas vezes nos passam despercebidas exatamente por serem do cotidiano, mas que não deixam de ser importantes. Gosto da Palavra espremida, sentida, sussurrada, sugada, cheirada, gritada, exaurida, degustada, dita, bem dita, mal dita, atirada, jogada, lançada, deixada, escutada, abandonada, ouvida, falada, amada. Gosto da palavra e do efeito que ela me faz. Ponto.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Ixperteza

Rio de Janeiro, março de 2009

Foram dez anos morando fora do Rio. Dez anos passados em cidades brasileiras que prezam pela educação e pela civilidade, como Curitiba e Florianópolis. Claro que não tão organizadas, limpas e educadas quanto à maioria das cidades do Velho Continente, mas ainda assim um exemplo de comportamento para o resto do Brasil.

No início do ano voltei a morar no Rio, num apartamento que tenho na Tijuca, onde até recentemente morava minha irmã antes de falecer. Minha vontade e a curiosidade de voltar eram grandes, afinal muitos amigos ainda tenho por aqui, as praias onde fui criado, o ambiente de Ipanema, das caminhadas pela orla principalmente no domingo pela manhã, a cerveja no Baixo Gávea, a corrida na Lagoa, os jogos do Mengão no Maraca, os amigos do Jardim Botânico, além claro de toda a beleza da natureza, das montanhas e do mar.

Agora, estando aqui todos os dias, analiso o comportamento carioca com uma visão de quem nasceu e viveu por aqui por 32 anos, que conviveu com o esse comportamento, mas que por ter estado fora durante esses dez últimos anos desenvolveu uma visão, digamos assim, imparcial, e percebi detalhes que não teria percebido se nunca houvesse morado em outras cidades e outros países. O que mais me incomoda aqui é que, em qualquer momento, sem descanso, o carioca em geral está pensando em como posso tirar vantagem dessa ou daquela situação - tenho sempre a impressão que serei passado pra trás em algum momento – os ixpertus já vão dizer: é porque tu é “pato”. Acho que isso é histórico: quando estamos numa fila longa tem sempre alguém “tentando encontrar um amigo”; se a fila é curta tem sempre alguém “desapercebidamente” tentando furar; se estamos no trânsito e a curva pra direita está engarrafada os carros começam a cortar pela esquerda e tentar se enfiar láááá na frente; quando o sinal (semáforo, sinaleira) está para fechar em um cruzamento engarrafado, o carioca acelera pra cruzar antes que feche para ficar na frente dos que vão vir do outro lado, sem pensar que estará fechando o cruzamento e bloqueando o trânsito. E isso é o tempo todo.

O Guarda Municipal vê a infração, mas como “não é de sua alçada” o infrator fica impune, assim ele finge que faz seu trabalho, ficando ali, naquela esquina, parado fingindo que trabalha enquanto conversa com os amigos, com as mulheres que passam ou com outros guardas.
O Polícia Militar finge que policia, passeia com sua patrulha pela cidade, liga a sirene dando a entender que persegue algum suspeito pra poder avançar o sinal ou para correr desnecessariamente no meio de um engarrafamento, estaciona em qualquer lugar, pois, afinal, está "policiando".
Os Legisladores fingem que legislam, enquanto na verdade estão ali na câmara municipal ou na assembléia estadual apenas defendendo os próprios interesses.
E a pergunta é a seguinte: se estivéssemos no lugar deles, faríamos diferente? Talvez respondamos que sim, mas no momento, no dia a dia do trabalho será que também não nos deixaríamos envolver?

O grande problema é que um tira vantagem e ganha em cima do outro, e esse sistema contínuo, se transforma num ciclo “pernicioso” e no final o outro acaba tirando vantagem em cima do um, e essa relação ganha-perde, se transforma em uma perde-perde onde poderia ser uma relação ganha-ganha, pois a energia gasta bolando maneiras de se dar bem poderia ser usada em bolar maneiras da sociedade como um todo evoluir o que seria benéfico a todos, sem exceções.
Todos querem levar vantagem e todos acabam perdendo e o ganho se torna momentâneo naquela situação, mas em outra onde você não domina, ou não tem o poder ou o conhecido certo, você acaba perdendo. Esse é o círculo vicioso que deteriora todo o Brasil, mas principalmente o Rio de Janeiro.
O brasileiro vive de burlar regras, só pensa nas vantagens individuais e nunca no coletivo.

E o carioca acha que é ixpertu !!!


Se o Brasil é o país do jeitinho, o Rio é a capital da ixperteza !!!

terça-feira, 19 de maio de 2009

MIND THE GAP

Rio de Janeiro abril de 2009

No metrô de Londres em quase todas as estações existe o aviso MIND THE GAP que, traduzido ao pé da letra, significa cuidado com o vão (entre o trem e a plataforma) e numa das vezes que tomei o metrô em Willesden Green, quando lá morava, me peguei pensando nesse gap (vão) que temos dentro da gente - o que somos e no que queremos nos transformar - em como as viagens contribuem pra diminuirmos esse gap e chegarmos mais próximo da nossa essência, dos nossos valores, daquilo que realmente gostamos e acreditamos.... ou não. Quantas pessoas passam por ali, se atentam ao gap entre a plataforma e o vagão mas não param por nenhum momento pra pensar nesse gap interno?

Durante a minha volta ao mundo, senti em vários momentos uma grande dor no coração, posso dizer que acontecia com certa freqüência, em média a cada quatro dias, pois era quando deixava uma cidade em direção à outra, deixava pessoas que conheci e que sabia que nunca mais veria, deixava países que cruzei e onde provavelmente nunca mais pisaria...essa nostalgia sinto até hoje. Creio que qualquer pessoa que tenha saído do seu canto e ido conhecer outras cidades, países, culturas, pessoas, vai morrer "satisfeitamente" frustrada sempre... É o preço do conhecimento, pois conhece muitos mundos mas só pode viver em um, quando o seu mundo ideal seria misturar o melhor de todos eles num só....mas essas despedidas que nos causam nostalgia, nos fazem crescer, porque cada uma delas é como uma pequena morte e um pequeno renascimento e tudo isso nos faz sentir vivos....

A volta? Nova vida? Claro que não é simples, afinal você vem com percepções do mundo muito mais abrangentes do que as que encontra nas pessoas que aqui ficaram, mas aprende a entender que a percepção do mundo de quem sempre ficou na caverna olhando as sombras passarem do lado de fora, como escreveu Platão, sempre será diferente daquele que ousou e foi ver o que de verdade havia do lado de fora....e na verdade, isso ainda é um micro passo em relação a tudo que podemos, e um dia vamos, descobrir. Além disso, muitas pessoas te vêem como um pária, pois você foi lá fora, viu além das sombras e traz informações que as pessoas não querem ou não estão prontas para ouvir, hábitos e conhecimentos novos que muitas vezes assustam o comportamento pré estabelecido, visões do mundo muito além das discussões e do rame-rame do “dia a dia cotidiano” e que podem “corromper” o modus vivendi a que todos estão acostumados. Assim, muitas vezes, a reentrada no mundo tido como real não é nem um pouco simples, nem do seu ponto de vista, que evoluiu de uma maneira diferente dos que ficaram, mas que também desenvolveu uma adaptabilidade e compreensão bem melhor do mundo que nos cerca e assim consegue voltar a se encaixar na sociedade que vivia, mas também por parte dos que aqui ficaram, que tem dificuldades em assimilar novos conceitos e comportamentos.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Borboletas Amarelas

Salvador, Bahia, abril de 2009

Estava mais uma vez por aqui em Salvador, visitando meu “irmão” Sérgio, Fernanda e as meninas, meio que pra passar a Páscoa meio que pra fugir das águas de março no Rio, e aconteceu um fenômeno que me fez ficar “viajando” naquele momento e analisando por que gosto tanto da Bahia, e principalmente por que gosto tanto de estar em Salvador.

É uma cidade que me atrai em todos os sentidos imagináveis. Tem um ar que emana ritmo, cultura, com longas praias com coqueiros e uma outra maravilhosa “fechada”, bem pequena, logo após a entrada da baía – Porto da Barra – pela qual sou completamente apaixonado, que tem todo o seu charme, com uma murada antiga, degraus largos e lentos, dois fortes demarcando o início e o fim da praia, pessoas caminhando pelo passeio e admirando as banhistas, parando prum acarajé ou simplesmente - se é que podemos chamar de simplesmente - admirando “O” pôr-do-sol que se recolhe ali sobre a ilha de Itaparica com todas as cores e tons de púrpura e laranja, tons esses que normalmente só encontramos em revistas de moda ou decoração... e tudo isso me traz lá do meu mais remoto banco de memória, recordações de parte de minha infância passada em São Pedro d´Aldeia, de frente pra uma lagoa tão salgada como bacalhau seco e como quase todos os lugares onde passamos a infância, ou parte dela, também tinha um pôr-do-sol todo próprio que sumia dentro das águas da lagoa, deixando somente o céu em tons de turquesa ou as nuvens multicoloridas... e onde pela primeira vez na minha vida consegui escutar claramente o ruído das chamas do sol em seu primeiro contato com a água do mar, se resfriando até apagar... shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhiiiiiiiiiiii...

A Bahia, mas principalmente Salvador, e mais exatamente o Porto da Barra, exerce um efeito quase mágico em mim, a mistura de todas as cores, de todos os ritmos, dos gringos tentando entender o que não está ali pra ser entendido, mas para ser sentido, dos turistas brasileiros do sul invejando a facilidade comunicativa, a interação social, os negros com sua batida, seu ritmo de vida, sua ginga, os brancos tentando aprender o que é essa malemolência cultural que só o bahiano tem. Toda a Bahia tem esse ar, é um estado que poderia ser um país totalmente independente e viver bem de sua natureza... o mar, a montanha, as praias, as ilhas, enseadas. Na cidade, a história, as igrejas, o ambiente que te remete a tempos passados. Nas ruas as pessoas com um ar sorridente, leve, preocupadamente despreocupados, meio num-to-nem-aí-estando.

Esse momento, sentado aqui no condomínio de casas onde mora o Sérgio, entre as dunas de Stella, com o céu do mar no horizonte, a brisa leve batendo acalmando o sol e observando essas milhares de pequenas borboletas amarelas, se esforçando todas e-xa-ta-men-te na mesma direção, e para todos os lados que olho elas ocupam o céu, tento entender de onde vieram, pra onde vão e porque esse vôo, porque todas, porque naquela direção e me pego pensando a mesma coisa de nós.... e a única coisa que concluo é que se continuarmos “voando” na mesma direção, com firmeza, segurança e confiança, sentindo, mesmo sem saber o porquê, que estamos fazendo a coisa certa e no caminho certo, quando chegarmos lá, saberemos o porquê