sábado, 27 de fevereiro de 2010

Última Viagem

Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, final de tarde de domingo dando uma caminhada solitária pela orla. O espelho d´água praticamente liso. De um lado a vista das costas do Cristo. Do outro, os prédios de Ipanema delineando o “horizonte”. Algumas garças voando baixo e outras caminhando na parte mais rasa em busca de alimento. A vegetação, que tomou parte da margem, agora vive cheia de pequenos pássaros e caranguejos.

Pessoas caminhando com seus filhos, andando de bicicleta e outros correndo. Famílias e amigos sentados nos pequenos restaurantes-quiosques e a pelada rolando solta no campo ao lado do heliporto.

Ao meu lado a barraquinha de água de côco, uma mesa de xadrez abandonada e carros passando velozmente pela Borges de Medeiros em direção ao Rebouças.

Tudo praticamente como sempre esteve desde os meus 14 anos quando me mudei de São Pedro D´Aldeia pro Rio e comecei a freqüentar o Clube Naval.

A temperatura estava perfeita e pra melhorar uma pequena brisa passou pelo meu corpo e me deixou com uma sensação de que aquele era um momento marcante – tanto o foi que se eternizou nesse texto - e, nesse momento, lembro de todos que já se foram. Fisicamente ou Espiritualmente. Lembro que faz um ano que minha irmã desencarnou. Lembro que faz um ano que reentrei no Brasil.

Minha irmã e eu nunca fomos muito próximos, talvez pela diferença de idade, mas a lembrança de sua partida me suscitou alguns pensamentos que se mesclaram com outros sobre minhas viagens e a vida e, pensando no prazer das sensações que estava tendo ali, naquele momento, me dou conta que tanto ela como os outros que já partiram não mais terão a possibilidade de sentir esses pequenos prazeres e vem a minha cabeça que mesmo estando aqui, vivo, existem sensações das minhas viagens que provavelmente nunca mais voltarei a ter.

As pessoas que se foram não mais sentirão a brisa do fim de tarde bater no rosto, a ressaca do dia seguinte, o sabor de uma maravilhosa torta de limão, a emoção de um beijo, a chuva molhando o corpo num dia de calor, a emoção de um gol da vitória no fim de uma partida, a delícia de um chopp gelado no fim de uma tarde de trabalho.

As pessoas que já viajaram e experimentaram novas culturas, prazeres, sabores, cheiros e gostos, essas também serão para sempre reféns das "sensações perdidas".

Claro que existem coisas aqui na minha terra das quais teria que abrir mão se fosse viver em outros países e também existem coisas em outras dimensões que por estarmos aqui não temos a possibilidade de sentí-las.

Sempre, querendo ou não, temos que abrir mão de algumas coisas para termos outras. Melhor dizendo, abro mão de coisas de outros lugares, cidades, países para ter coisas que só posso encontrar aqui ou vice-versa. Algumas eu gosto, outras não.

Sei que dificilmente viverei novamente a sensação de tomar um chá com monges em um Monastério no interior do Tibet, de comer o arroz com carne de cordeiro ao molho de amendoim da Sra Marmuda em Payagan, perto de Ubud na Indonésia, de tocar chocalho com um grupo de indianos no Forte de Meherangarh em Jodhpur e dos odores de incensos que se espalham pelas ruas da Índia e de tantos momentos únicos, que por serem únicos provavelmente nunca se repetirão. E assim fui deixando pra trás, ou pra dentro, um rastro de emoções e prazeres.

Mas minha escolha, desde o princípio era estar no Brasil.

Tudo bem, sei que outras coisas estão por vir mas essas que passaram provavelmente não terei mais, ou mesmo que as tenha não serão da mesma forma e com os mesmos "olhos" que tinha naquele momento. Em minha fé creio que minha irmã, e todos que se foram, tem também várias outras sensações e ocupações a ponto de lembrar com saudosismo do que viveram aqui, mas sem se lamentar por estarem por lá.

O que interessa é estarmos bem com nossas opções e vivê-las da melhor maneira possível.

Sendo aqui ou lá, jamais poderemos ter tudo que queremos. Sempre haverá um ou.

4 comentários:

Anônimo disse...

Um homem suas circunstancias e escolhas. Belo texto. Um OU.

Anônimo disse...

As pessoas se vão e não poderão sentir mais nada do que vc citou.

E nós não as temos mais como companhias...

Francine

Simone Taylor disse...

Nao sabia que era tao espiritual.

Guerreiro Alado disse...

Oi primo, belo texto! Com certeza nos tornamos reféns de emoções vividas, que provavelmente não tornaremos a tê-las, não da mesma forma! É difícil administrar este sentimento as vezes... Dá uma sensação de impotência... Mas é a vida... Tenho muitas saudades da vovó... Eu sempre estou com ela em pensamento! Um abraço!