quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Acarajé quentinho ?

Um desses dias estava andando por aí depois de ter tomado todas e na busca de um pouco de glicose para me "sobrear". Entrei em uma daquelas sorveterias repleta de incontáveis sabores e que nos deixam loucos. Loucos e perdidos. Mas no estado que me encontrava só conseguia pensar em chocolate com muito chocolate, chips de chocolate e calda de chocolate.
Fácil escolha !

Saí da sorveteria desfrutando minha casquinha com um tesão tão grande que é quase indescritível. Dou alguns passos, passo pelo posto de gasolina, viro a esquina e me deparo com um grupo de cinco ou seis mendigos e mendigas, ou melhor, na verdade eles eram "homeless" (infelizmente não temos em português uma palavra que substitua tão bem essa expressão), e uma delas vem em minha direção apenas para pedir dinheiro ou o sorvete.
Ela se aproxima, eu levanto os olhos do verdadeiro felaccio¹ que praticava em meu sorvete e nesse exato instante, nesse exato momento, cruzo olhares com ela. E ela me vê.

Sim, ela me vê. Porque até aquele cruzar de olhares eu era uma outra pessoa qualquer, um passante que subia pela rua e que poderia rendê-la com algumas moedas ou mesmo meu tão desejado sorvete de chocolat au chocolat.

Mas ela me viu. E mudando repentinamente seu discurso linear, comum, rotineiro, como daqueles vendedores ambulantes que entram no ônibus e recitam a mesma prosa, no mesmo tom, sem trocar uma palavra, parou e disse de improviso naquele falar malemolente que só o baiano tem: "Ia ti pidí essi sorveti, mas cê tá tão bem qui vô dexá cê aproveitá !!!

Agradeci com um leve balançar de cabeça e segui, pensando: ela me viu !!!
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Continuei andando, desfrutando mais e mais daquele ato sexual que se tornara o lamber, chupar, saborear e sorver meu sorvete e refletindo sobre aquele close encounter of the 3rd kind².
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Já reparou como as pessoas que fazem parte de nosso dia a dia, e que sem as quais seria bem difícil vivermos, nos passam quase invisíveis?
É o gari varrendo a rua TODOS os dias, o pipoqueiro ou sorveteiro com quem cruzamos em nosso exercício de caminhar diário, a vendedora de água de côco que nos alivia o calor no fim da caminhada e até a "secretária do lar" - nome politicamente argh correto para empregada doméstica - que está na nossa casa há anos, a qual perguntamos inercialmente como está a família e filhos, mas mal ouvimos a resposta ou mesmo depois de todos esses anos de convivência na nossa casa, com nossa família, nossos filhos - os seres mais importantes do mundo pra nós - sequer uma vez você visitou a mulher que ajuda, ou mesmo cria, seus filhos, sequer você sabe onde ela mora.

Essas pessoas são invisíveis pra nós.

E, recentemente, tive essa mesma sensação, ao contrário. A de que nós também somos invisíveis pra eles: estava sentado na praia, após comprar um acarajé oferecido por uma menina que já havia passado por mim umas dez vezes e, logo após, quando já estava chegando à metade do prato, ela passa mais uma vez por mim, para na minha frente e pergunta:
...Acarajé quentinho ?



¹ sexo oral
² contato imediato do 3º grau

Um comentário:

José Luis disse...

Pois é Fred, você ouviu o vazamento de áudio do Boris Casoy? Pior que não ver esse povo que "carrega o piano" da sociedade é emitir comentários que derrubam a imagem do profissional.