segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Luzes, cheiros e rostos.

No momento que saia do hotel em Fortaleza o recepcionista perguntou se precisava de táxi.

Respondi que preferia ir andando por aí.

Ele contesta dizendo que não é seguro andar pela região.

Falo que já é quase meia noite e essa hora os ladrões já estão dormindo e só vou cruzar com os seres da noite: prostitutas, vigias, moradores de rua, gente indo pra balada.

Ele pergunta aonde vou e digo que vou até o Pirata¹ e se não estiver legal vou ao Dragão do Mar².

Ele me olha com aquela cara de que vou me dar mal.

Ignoro e penso comigo: porque as pessoas desenvolveram esse pânico de andar pela cidade? Não precisa ser à noite, mas de andar pela cidade a qualquer hora. Elas só se sentem seguras dentro dos seus Panzers³, protegidas pelos vidros e pelos pinos das portas. Entregam os carros nas portas dos restaurantes, das baladas, descem, entram, bebem, comem, dançam, saem, entram no carro e voltam pra casa. No fim de semana pegam o carro e vão ao shopping, a bolha de plástico da sociedade moderna. Insosso, inodoro, hermeticamente fechado, limpo e isolado do mundo de verdade.

Gosto de caminhar pelas cidades. Ver as pessoas nas ruas. Onde vivem. O que fazem. Que cara tem. Os lugares que freqüentam. Sentir os odores - e fedores - da vida urbana. Ouvir os sons, música e barulhos, de cada rincão. Dobrar uma esquina. Olhar pra cima e descobrir uma construção antiga, moderna, velha, nova. Ver o que nos é impossível ver de carro, pela velocidade ou pelo isolamento olfativo e acústico. Não me sinto vivo isolado do mundo em minha casa, no shopping, no carro e no trabalho. Preciso sentir a vida sendo vivida.

Muitas vezes saio de casa em Sampa no findi e vou andando até a Liberdade, de lá à Sé, atravesso o Centro e sigo até o Mosteiro de São Bento, passo pelo Parque Dom Pedro, cruzo a 25 e vou ao Mercado Municipal. Ali almoço e estico, também a pé, até a Pinacoteca....ou me meto em outras partes da cidade. Saio à noite pela Augusta, volto as 4 da manhã pela Paulista. No Rio, vou da Prudente de Moraes em Ipanema ao Leblon descendo pela praia ou pela Visconde de Pirajá na madrugada ou volto da balada depois de tomar um suco no BB ou comer na Pizzaria Guanabara. Saio da casa de amigos na Lagoa, desço a Jardim Botânico a pé até chegar no Baixo Gávea para tomar um chopp com outros amigos. Me perco pelos quadriláteros da floresta que é a Lapa, que é como a praia no Rio, o ambiente mais democrático que conheci no mundo. Tem de TUDO mesmo !!!!

Claro que não saio avoado, desligado, sem dar atenção ao que acontece à minha volta.

Saí do hotel, depois de ter sido aconselhado também pelo porteiro mas não fui pela calçada, afinal é fácil ser encurralado. Entrei na Avenida Beira Mar, passei em frente ao Restaurante Dona Nair e ao invés de seguir pela orla de Iracema que naquela região está abandonada, segui pela rua de dentro, passando pela capela e cruzando com os táxis que saem do Pirata. Não estava bom. Olhei a rua ao lado e segui por mais 10 minutos de caminhada, meio pela calçada, passando por pontos de ônibus com trabalhadores voltando pra casa, meio pela rua, desviando dos carros dos catadores de lixo da madrugada. Intacto e vivo, no sentido literal, cheguei ao Centro Cultural Dragão do Mar.

Sentei, tomei uma Caipiroska, comi e voltei, já às 2 da manhã, passando e sendo cumprimentado e cumprimentando as prostitutas e os travestis que ganham a vida por ali. Na verdade o pior ser que você pode cruzar na madrugada é o boyzinho no carrão que o papai deu, voltando bêbado da balada. Os seres que moram, comem e dormem na rua são, em geral, inofensivos.

Pois é, assim, em todas as cidades que chego, tento buscar caminhos a pé, tomar o ônibus para ver as pessoas reais que ali vivem, mas claro que não renego o conforto de um carro nas devidas ocasiões. Apenas desfruto mais de tudo que esse organismo vivo que chamamos de cidade pode oferecer.



¹ Bar e boite de Axé e Forró em Fortaleza, já foi considerada a melhor segunda-feira do país

² Centro cultural em Fortaleza, com bares, boites, restaurantes e salas de exposição,

³ Tanques blindados nazistas usados durante toda a segunda grande guerra

domingo, 10 de outubro de 2010

23 anos depois...

Durante a década de 70 visitava a cidade com freqüência com minha família, vínhamos frequentemente em grandes feriados e Natal para a casa de parentes. A viagem era longa e muitas vezes tínhamos que parar e dormir em algum hotel de estrada, afinal eram mais de 400km de estradas sinuosas em mão dupla, com média de velocidade inferior a 40km/h em um Fusquinha ou mesmo num velho Corcel – na época novo.

Havia a parte romântica, pois parávamos em cidades históricas no caminho. Havia curiosidades como a primeira vez que comi um típico pão de queijo que ainda não era industrializado, no subsolo de uma casa em Barbacena, próximo a estrada, onde a própria dona preparava a massa e o fazia na hora. Tenho lembranças dos primeiros amassos com minha prima no banco de trás do carro enquanto meu pai dirigia e minha mãe dormia e não via - ou fingia que não via e, já com 21 anos, a viagem de diversão com meu “irmão”... “Alagados, Springstown, Favela da Maré, a esperança não vem do mar...” era o lançamento do Paralamas na época... fomos curtir os bares da cidade e encontrar um primo que ainda mora por lá e na época era meio, ou muito, louco para ver pegas de moto e de carros.
Pois é....23 anos depois volto a visitar a cidade.

A sensação que me passa deve ser a mesma que nossos pais e avós têm ou tiveram quando voltaram às suas cidades depois de várias décadas. Sempre pensei que não fosse ver tão grande diferença e desenvolvimento como eles viram, que nasceram numa época onde mal se pegava o sinal de rádio e agora vivem na era da internet banda larga, que nasceram numa época onde carros eram poucos e raros e agora vivem em cidades “atopetadas” de veículos; onde uma viagem pra Europa era coisa de milionários e hoje podemos ir facilmente em férias e até em um feriadão curtir uns dias.

Fiquei quase dez anos sem ir a Salvador e fiquei impressionado, mas....23 anos sem ir a BH me impressionou muito mais. Com exceção da parte que já era a mais desenvolvida da cidade como o alto da Afonso Pena com Mangabeiras, Cruzeiro, Serra, toda a cidade se expandiu de uma maneira impressionante. A região das Seis Pistas em Nova Lima onde íamos assistir aos pegas, está lotada de prédios, condomínios, shoppings e tudo mais que é desnecessário enumerar para o que esperamos de uma cidade com mais de 2,5 milhões de habitantes. Mas certas coisas não mudam nem com o tempo: o mineiro é de uma hospitalidade impressionante; seu jeito quieto de lidar com o dia a dia, que é típico de um povo que precisava manter o silêncio na época da mineração e não espalhar que havia encontrado ouro ou diamantes já que o risco de ser morto ou roubado e ainda altamente taxado pela Coroa Portuguesa era enorme e, não posso esquecer da mulher mineira, que não consigo entender qual a razão de serem tão lindas e simpáticas além de terem aquele sotaquezinho delicioso.

Imagino agora o que ainda virá. Como estarão as cidades que conheci pelo Brasil e pelo mundo todo nos próximos 10, 20 anos. E isso só ajuda ainda mais a desenvolver meu prazer por viajar, conhecer novas e visitar velhas conhecidas, que é muito parecido com fazer novos amigos e reencontrar os velhos, que como as cidades, apesar do tempo passado, ainda guardam na sua essência a personalidade e o estilo de cada um.

sábado, 2 de outubro de 2010

Raízes

Andando por aí observo e sinto o apego que a grande maioria das pessoas tem pela sua cidade, seu bairro, sua casa. Nasceram ali, cresceram, fizeram amizades, estudaram, casaram, tiveram filhos e não pensam em sair dali de maneira nenhuma. São as raízes.


Em minhas viagens, por todos os países que passei, independente da raça, cor, nacionalidade, religião, a grande maioria das pessoas é extremamente apegada à terra e, se refletirmos sobre o assunto, nos deparamos com o fato que durante a maior parte de nossa existência fomos nômades e consumíamos o que a bendita terra nos dava, mas a partir do momento que desenvolvemos a agricultura, fizemos como a maioria dos animais selvagens que vivem próximo de uma fonte de água e nos prendemos ao local que nascemos pois ali, onde trabalhamos a terra e onde houvesse uma fonte de água, estaria nosso sustento.


Nos tornamos apegados à terra por necessidade e esse hábito se apegou à raça humana de tal maneira, que mesmo hoje, quando a maioria de nós não precisa trabalhá-la pra se alimentar e morar perto de uma fonte, continuamos apegados ao local onde nascemos. Talvez a resposta para esse comportamento é que ele poderia estar programado em nosso cérebro como muitos outros hábitos que temos e sequer notamos, mas o desenvolvimento da agricultura é muito recente e não teria havido tempo hábil para que nosso cérebro se reprogramasse. Então, a única explicação é que nos condicionamos, e esse condicionamento está diretamente ligado à zona de conforto a qual inconscientemente – ou até conscientemente – buscamos e que nos mantém fixo em algum emprego, por mais que não seja o que queremos, a algum relacionamento, apesar de sabermos que está falido e à uma cidade, apesar de sonharmos com um outro tipo de vida em um outro lugar com outras pessoas... mas essa mudança demandaria esforço, recomeço, dificuldades, adaptação e, como da maneira que está é mais fácil, assim levamos a vida.


Recentemente quando estive no interior do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, conheci muitas pessoas que vivem uma vida tranqüila, com os mesmos amigos desde a infância, os filhos estudando na mesma escola onde eles estudaram, freqüentando o mesmo clube, e começo a me questionar o que realmente somos e como nos portamos, afinal não somos o mesmo ser de há 10.000 anos quando desenvolvemos a agricultura, sequer o mesmo homem do século XIX. Então, porque ainda seguimos tão apegados a terra e sentimos tanta necessidade de criarmos raízes? E o nosso passado nômade, desbravador, mutante e adaptável, onde foi parar?


A agricultura, inicialmente um trabalho árduo que demandava a união de toda a família, de toda a comunidade, onde tínhamos que desbravar terras, nos adaptar a cada ambiente e clima, acabou dando início a um novo comportamento, pois pôde proporcionar através da concentração populacional, desenvolvimento de atividades industriais e culturais e, mesmo sem saber disso, ser a raiz da zona de conforto onde a raça humana se coloca atualmente.