domingo, 26 de abril de 2009

Diário de um dia a dia

Rio de Janeiro, abril de 2009

Pensa que é fácil?
Apreciamos as pessoas que conseguiram vencer, como atletas, executivos, comerciantes, músicos, atores e nunca pensamos um momento sequer nas dificuldades que eles tiveram pra chegar ali. Muitas vezes vemos suas casas maravilhosas, seus bens, suas vidas, suas famílias e pensamos que eles devem ter compactuado com algo ou mesmo roubado pra chegar à posição que estão e não enxergamos que na grande maioria das vezes eles apenas acreditaram. Eles tinham uma meta, se dedicaram, miraram nela e foram atrás. Não pensamos nas dificuldades que se impuseram no dia a dia antes de conseguirem alcançar seus objetivos, realizar seus sonhos, como por exemplo: acordar pela manhã e saber que o dinheiro está acabando, que tem contas pra pagar e que ainda não está surgindo nenhum convite, nenhum trabalho, que eles não sabem se amanhã estarão aqui ou acolá, mas mesmo assim continuaram se dedicando na busca da motivação pra encarar outro dia sem resultados... mas com a certeza que está no caminho certo, sabendo que está seguindo seu coração. Diferentemente de quem tem um emprego certo, uma vida rotineira, onde se sabe que acorda, se banha, toma café e sai de casa com rumo certo prum trabalho, prum escritório... que no fim do mês o dinheiro estará na conta te esperando.

Nem sempre é fácil tomar o caminho do “diferente”... Como a minha viagem. As pessoas pensam que tudo foi fácil, que foi como férias, que era só diversão, que foi só colocar a mochila nas costas e sair, mas não pensam em como foi complicado organizar, levantar informações – sabe quanto custa uma Coca-Cola no Laos? Sabe o custo de uma refeição no Camboja ? - saber que não poderia me apegar a nada e a ninguém, pois em pouco tempo não estaria mais ali... Não deixa de ser uma pequena morte, mas também um renascimento, a cada dia.

Nesses últimos meses após meu retorno, estruturando meu futuro, o que visualizo pra mim, o que gostaria de fazer nos próximos anos, minha palestra, meu site, mais viagens, minhas exposições, escrever outro livro, pode não parecer, mas é difícil e solitário. E o mais difícil todo dia é encarar um novo dia e saber que nada ainda está pronto, que os resultados ainda vão demorar a chegar. É duro enxergar. Cada dia coloco um tijolo e demora. Depois de alguns dias sei que terei uma parede, mas ainda não se pode morar numa parede, é preciso construir a casa e isso leva tempo e paciência, coisas que são muito difíceis de lidar.

Creio que todos entendemos claramente que se dedicarmos tempo e focarmos, vamos conseguir alcançar as metas, mas provar-se isso todo dia é difícil. Na maioria das vezes nós só vemos o resultado final. O nadador que bateu o recorde e recebeu a medalha, mas não enxergamos a quantidade de esforço, de dedicação e que pra isso acontecer teve que treinar “N” horas por dia, se superar, ter quase nenhuma vida social. Sofreu a cada dia por um momento de glória. O jogador de basquete que depois do treino continuou sozinho na quadra treinando arremessos enquanto os amigos saiam pra balada. O jogador de futebol que ficou treinando faltas, enquanto o resto do time ia pra praia. O estudante que virou noites e fins de semana com a cara no livro enquanto os amigos curtiam e viajavam. A grande maioria das pessoas do mundo cumpre sua obrigação, somente a obrigação e depois vão curtir, e se dependesse desses o mundo apenas girava. Os que seguem seu coração são os que vão fazer a diferença, que irão fazer a humanidade avançar porque saíram de sua zona de conforto. Mas sofreram. E quando olho pra trás sei que varias decisões que tomei poderiam ter sido mais fáceis se tivesse seguido o padrão, mas preciso construir o que realmente gosto, só não achava que ia ser tão complicado e lento

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Aeroportos e Rodoviárias

Salgueiro, Pernambuco, julho de 2008

Sinto um prazer inexplicável em viajar. Não. Acho até que é explicável, ainda mais para quem convive comigo, direta ou indiretamente e acompanhou minhas viagens pelo mundo.
Algumas pessoas viajam única e exclusivamente por obrigação. Eu o faço por prazer, sempre. Sempre foi assim e continua sendo, mesmo que seja a trabalho, mesmo que a grana esteja curta, mesmo que não dê pra ir de avião e tenha que ir de ônibus ou de carona, hospedar-me em albergues ou casa de amigos dos amigos, mas viajar.

Adoro o cheiro da estrada, parar e olhar para o “fim” de uma reta sem fim, ver um carro se aproximar por um lado e ir sumindo do outro, imaginar o que vem depois, ouvir o ruído dos pneus do ônibus me levando pra uma nova cidade, imaginar o que me espera naquele novo lugar, com aquelas novas pessoas.
Adoro também aeroportos. Aquele clima de pessoas indo e vindo, principalmente quando EU estou indo ou vindo. Só em olhar um avião cruzando o céu, minha mente se perde imaginando quem são as pessoas que ali estão, quais suas histórias, pra onde seguem, o que as esperam... como a letra do Toquinho e do Vinícus em Aquarela

“...Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo...”

Passei por centenas de rodoviárias e aeroportos, pelo Brasil e pelo mundo e enxergo bem a diferença do “clima”, do ambiente entre eles. Nas rodoviárias as pessoas são mais simpáticas, emotivas, calientes e envolvidas com as despedidas, até porque no ônibus as pessoas podem se aproximar, vir até a janela se despedir. Nos aeroportos o oposto. Tentam manter uma frieza, talvez até pelo medo que muitos tem de avião, não se misturam, se despedem muito antes de partir, pois tem que entrar antes de embarcar e mal falam umas com as outras.
Mesmo com a perda do antigo glamour que esse último tinha, ainda há uma grande diferença de comportamento, pois não só nesses mas em qualquer outro lugar que se esteja, os “pobres” sempre são mais solidários do que os “ricos”. Vemos aquele que pouco tem ajudar alguém na rua; em bairros pobres e numa cidade pequena as pessoas se apóiam enquanto na cidade grande não sabemos nem quem são nossos vizinhos, pois parece que não queremos passar pela possibilidade de sermos importunados.

Durante a viagem acontece o mesmo. Nos aviões, por mais longo que seja o vôo poucas pessoas se falam, conversam. Já numa viagem de ônibus, depois de algumas horas, algumas paradas, já sabemos a história da família de boa parte dos passageiros. Frequentemente tomava o ônibus do Rio para Salvador, 26 horas de viagem e na parada em Realeza já sabíamos quem era quem. Imagina quando fui a Fortaleza...44 horas !!! Aracaju..32 !!! e outras mais curtas Brasília, 16. Floripa, 18....

Mas hoje, parado no meio do Sertão de Pernambuco, a caminho de Fortaleza, olhando as pessoas nessa pequena rodoviária aqui em Salgueiro, me sinto em casa. Me sinto aquecido. Me sinto vivo. Vendo lugares que nunca vi. Saboreando as pessoas, seus comportamentos, seus olhares, seus sotaques, suas maneiras de ser e agir. E isso que sempre tenho buscado. Vida.

domingo, 12 de abril de 2009

Sexta-feira da Paixão....

Itapuã, Salvador, Bahia, abril de 2009

Passei muitos anos sem pisar aqui...nessa ponta de praia, e sigo com os olhos a linha do mar, deslizo por coqueiros e paro pra apreciar o perfil da cidade do Salvador ao fundo. Venho sempre comer um acarajé em Cira ou um bejuzinho na Tapiocaria que fica na esquina bem em frente, mas nunca mais havia seguido até a beira do mar pra curtir o visual.
Quando da primeira vez que estive em Salvador em 87, Itapuã ficava muito distante de onde estávamos hospedados, na verdade creio que ficava longe de qualquer referência que tínhamos da cidade, e não só pela distância, mas porque tudo era mais longe há 20 anos atrás...
Depois que passei a me hospedar mais próximo sempre encontrava uma desculpa pra não ir além de Cida ou do beju...ou mesmo do Creperê*.

Ano passado, ciceroneando uma amiga gringa, a trouxe até o farol de Itapuã e me surpreendi com o visual – já não lembrava mais como era – e comecei a (re) entender porque passar uma tarde em Itapuã deve ter sido algo tão prazeroso no último terço do século passado, afinal, a brisa, o cheiro, a linha do mar e os coqueiros desalinhados no horizonte e os poucos, ou nenhum, prédios na época, com certeza deixavam essa fantástica vista muito mais leve, mas ainda hoje pode-se maravilhar com o que ainda é.

Mais uma vez aqui pra comer um bejuzinho, resolvi pedir o que mais me atrai que é o de carne seca com catupiry. Delicioso, o cheiro, a consistência, o recheio....quase tão bom quanto o que minha mãe faz e quanto o que comi em João Pessoa no “Tapiocódromo” na Praia de Tambaú.
Fui saboreando cada pedaço enquanto apreciava a vista quando, não sei por que, de repente lembrei que era sexta-feira da Paixão e “não se come carne nesse dia”.
Como assim esse pensamento veio à minha cabeça?
Como assim não se come carne ?
Como assim se não sou católico e isso é uma regra dessa religião?

E percebi o quanto fica marcada a programação que inserem na nossa cabeça quando nosso “HD” ainda está vazio, até pela influência externa, já que estamos num país de maioria ainda “católica” e que, mesmo não sabendo muito bem porque, todos marcam almoço em família ou com amigos e nunca servem ou pedem carne....é um dia no qual instintivamente pensamos em comer peixe, e quando me peguei comendo carne e pensando sobre o assunto, que em qualquer outro dia seria um tema irrelevante, me dei conta dessa programação e no quanto outras programações nos fazem sentir culpados, incomodados e/ou fracos em determinadas situações, que muitas vezes parecem simplórias para quem veja de fora. Temos fobias, comportamentos, sensações que sequer sabemos o porquê, como o medo que tenho de lugares muito apertados sem uma saída clara e que, principalmente, me aperte os ombros...por quê? Sensações assim é que me deixam muito curioso para entender de onde meu cérebro assumiu essa programação, quando ele foi marcado a ferro por esse ou aquele sentimento.

E aqui, sentado nessa murada, comendo meu bejuzinho de carne seca com catupiry refletindo sobre esse assunto e admirando a vista que Toquinho e Vinícius descreveram tão bem em sua música, sigo “...com olhar esquecido no encontro de céu e mar... sentindo o arrepio do vento que a noite traz...”


*nome de uma creperia